Com o início do cadastro positivo do histórico financeiro, os brasileiros que não atrasam as suas contas serão recompensados com juros mais baixos no crediário
Um dos princípios do sistema financeiro estabelece que bons pagadores merecem melhores condições nos empréstimos. É uma lógica aplicada aos países. Quando vai ao mercado tomar crédito, a Grécia paga quinze vezes os juros cobrados da Alemanha, porque possui uma dívida que supera com folga o tamanho de sua economia e está à beira da moratória, enquanto os alemães têm sob controle suas contas a pagar. A lógica também vale para empresas e pessoas, mas não é bem isso que acontece no Brasil. Essa anomalia, porém, tem data para acabar. Em maio último, o dispositivo que premia os bons pagadores – o cadastro positivo – foi aprovado no Congresso.
Passados seis meses para que uma base de dados pudesse ser formada, o mecanismo começará a surtir efeito. A partir de janeiro, bancos, redes varejistas e financeiras vão pô-lo em prática. Será o caso da financeira Omni, especializada em crédito para carros usados, que passará a cobrar novas taxas de juros – em geral, com queda de 20% – nos 5000 empréstimos que concede todo mês. A Serasa Experian, firma de análise de crédito, já foi contratada por três dezenas de empresas, totalizando uma base com mais de 2 milhões de consumidores que concordaram em fazer uso de histórico financeiro. O interesse se justifica diante da expectativa de que poderão reduzir seus gastos com juros de agora em diante.
O cadastro positivo é fornado com informações sobre pagamento de contas e prestações de empréstimos. Até então, existia no país só o cadastro negativo, que pune quem atrasa as contas, mas não beneficia quem quita todas elas religiosamente em dia. Os consumidores e empresas precisam assinar uma autorização prévia para que seus dados sejam analisados e partilhados pelas empresas financeiras. “Nem sempre existiam informações suficientes para avaliar a capacidade de pagamento das pessoas. Sabíamos se havia contas atrasadas e só. Agora será possível uma concessão de empréstimos mais criteriosa”, diz Dorival Dourado, presidente da Boa Vista Serviços, outra empresa de análise de crédito. Diante da escassez de dados, o sistema funcionava de forma distorcida. Resume Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban, entidade que reúne os maiores bancos do país: “O bom pagador arca com parte do custo do mau pagador, levando em conta a inadimplência média do sistema”.
De posse dos dados do consumidor, empresas especializadas aplicam modelos matemáticos para calcular o perfil de risco. Essa informação é então vendida a bancos e redes varejistas, que a utilizam como base para determinar as condições do empréstimo. É um modelo semelhante ao do seguro de carros, em que um motorista sem histórico de acidentes paga menos. Experiências em outros países mostram os benefícios, com queda nos juros cobrados e ampliação do crédito. A chave para reduzir o custo do crédito está no acesso a informações dos tomadores. No Brasil, essa lacuna tem um preço: 29% dos custos que compõem os juros ao consumidor são atribuídos à necessidade de cobrir calotes. Quando se trata de clientes preferenciais, em quem o banco confia, o encargo cai para 7%.
Apesar de suas contribuições, o cadastro positivo não é infalível. Nos Estados Unidos, onde é largamente adotado, ele não impediu a concessão indiscriminada de emprésrimos na última década, um cenário que culminou com a crise de 2008. Bancos emprestavam sem atentar para a capacidade de pagamento dos credores. Para Andreas Suma, diretor da Fico, empresa americana que desenvolve modelos para classificar o risco de crédito, o cadastro positivo não deve ser tomado como fator isolado. “Será fundamental investir em prevenção para evitar o uso exagerado do crédito”, diz ele. “Isso é ainda mais importante num país como o Brasil, onde tanta gente toma crédito pela primeira vez.”
Fonte: Clipping – Veja