Fazer lista antes de ir às compras, incentivar o uso de cofrinho e explicar as prioridades nos gastos da família são maneiras de mostrar aos pequenos o uso racional do dinheiro
Alessandra Oggioni
Uma simples ida ao supermercado pode ser uma aula de economia para as crianças, independentemente da idade delas. Isso porque as atividades do dia a dia são a melhor maneira de iniciar a educação financeira com os filhos, para mostrar de forma prática e objetiva como fazer bom uso do dinheiro.
A consultora Cássia D’Aquino, especialista em educação financeira, explica que, antes de sair às compras, os pais devem chamar as crianças para ajudar na lista. Os adultos podem pedir, por exemplo, que os filhos verifiquem se ainda tem sabonete no armário ou molho de tomate na despensa – se forem maiores, ficam também com a tarefa de anotar os itens. “A partir dos três anos de idade já dá para incluir os pequenos nesse processo. Com isso, eles passam a compreender que os pais se planejam antes de gastar”, diz.
Outra maneira prática de trabalhar a educação financeira com os filhos é deixar “escapar” comentários sobre preços, custos e despesas, algo do tipo: “nossa, como o pão está caro” ou “o iogurte está na promoção”. Desta forma, os pais já dão noções de planejamento de orçamento e uso racional do dinheiro, de que é precisar analisar criteriosamente antes de gastar.
Esse tipo de lição sobre economia pode começar desde cedo. Geralmente, a própria criança sinaliza aos pais que está preparada para saber mais sobre o tema. “A partir dos dois anos, quando ela começa a demonstrar desejos próprios, já é o momento de iniciar a educação financeira, mostrando o processo de troca do dinheiro por produtos”, explica o economista Elvis Tinti, da empresa Peela.
Querer não é poder
Com as crianças, tudo funciona de uma forma muito concreta. Se você disser a elas que não tem dinheiro e elas virem uma nota de dez reais na sua carteira, vai achar que está mentindo. Então, a consultora Cássia D’Aquino aconselha ensinar aos filhos os conceitos de “quero” e “preciso”, ou seja, que existem itens essenciais e outros que são dispensáveis. Desta maneira, quando eles pedirem um brinquedo na loja, não adianta falar que está sem grana. O melhor a fazer é explicar, com calma e jeitinho, que aquilo não é necessário naquele momento. “Os pais devem dizer serenamente que a família tem dinheiro para várias coisas, que tem de pagar primeiro isso, depois aquilo, e que agora aquele presente não cabe nas prioridades”, aconselha a especialista.
Vale lembrar que os hábitos consumistas dos pais ensinam mais do que qualquer lição. Portanto, de nada adianta dizer ao filho que não pode comprar um brinquedo se ele vê pai ou mãe gastando sem nenhum controle no shopping, com coisas totalmente desnecessárias.
Vale dar mesada?
A mesada pode ser uma maneira eficaz de ajudar a criança a lidar com o dinheiro, estabelecendo prioridades e objetivos. Segundo o economista Elvis Tinti, ela também pode contribuir para que o filho desenvolva o senso de responsabilidade e o controle sobre os próprios impulsos de consumo.
Recentemente, uma foto que continha “regras de mesada” para duas crianças fez enorme sucesso nas redes sociais e foi compartilhada por mais de cem mil pessoas. A imagem trazia os valores de desconto que a remuneração sofreria a cada desobediência das crianças. A ideia do pai de Giullia e Vitor, o juiz do trabalho Vitor Yamada, foi aprovada por grande parte dos internautas. Mas, se pelo lado da disciplina a medida de Vitor pode ter um resultado positivo, do ponto de vista de educação financeira não é bem assim.
De acordo com a consultora Cássia D’Aquino, é preciso atenção redobrada dos pais para não atrelar o dinheiro dado ao desempenho escolar ou a um bom comportamento. Segundo ela, se isso for feito, vai ensinar aos pequenos que o resultado é mais importante que a atitude, ou seja, não importa se eles colarem na prova, desde que tirem uma nota mínima para não perder o benefício. “Mesada é um instrumento de educação, não um salário. Por isso, não tem de estar relacionada a nenhuma tarefa”.
Autor da coleção de livros “O Menino do Dinheiro” (Ed. DSOP) e de “Terapia Financeira” (Ed. DSOP), o educador financeiro Reinaldo Domingos também desencoraja a prática de atrelar o dinheiro da mesada com o cumprimento de obrigações do dia a dia. “Não adianta dar dinheiro dessa forma. A criança precisa entender que deixar o ambiente limpo ou passar na prova é sua obrigação. Ela deve ter reconhecimento por ter feito essas tarefas, mas não financeiro. O dinheiro, para a criança, não pode ter o aspecto de recompensa”, afirma.
“Oriento os pais a definir, em conjunto com a criança, três desejos materiais que ela tenha. Podem ser desejos de curto, médio e longo prazo. O pai deve mostrar que ela pode atingir seus objetivos se conseguir economizar a mesada. O ideal é que 50% do dinheiro seja poupado para este fim. Não é incomum que as crianças passem, por conta própria, a poupar até mais do que essa porcentagem”, conta Reinaldo. Entretanto, ele aponta que os pais devem ficar de olho para o filho não exagerar. “Não é saudável poupar absolutamente tudo. Tem que existir um equilíbrio”, orienta.
O educador financeiro explica que a criança precisa ver o resultado do seu esforço. “Quando ela somar a quantia do primeiro sonho – o de curto prazo -, os pais devem ir à loja e fazer a compra. Vendo a realização do seu sonho se materializar, a criança vai entender que pode ter o que deseja, mas precisa guardar dinheiro. Mesada sem sonho não leva a lugar nenhum.”
Para não precisar utilizar artifícios como a tabela de “regras da mesada” da internet, Reinaldo explica que basta mostrar as contas para as crianças. “Explique que se ela deixar a luz acesa, a conta vem mais alta e os desejos demoram mais para se concretizar. O mesmo vale para um banho muito demorado com a conta de água. Dando exemplos práticos é possível educar muito bem as crianças”, diz.
Cássia também destaca que o ideal é iniciar a mesada a partir dos 11 anos, considerando a adequação do valor à cada idade. No entanto, se os pais quiserem dar dinheiro para as crianças antes desta idade, o mais adequado são as semanadas, para um melhor controle dos gastos e evitar que elas gastem tudo numa tacada só. Nestes casos, calcule um real por idade, por semana.
Tesouro em moedinhas
Fazer um cofrinho também pode ser uma boa opção para mostrar a importância de juntar dinheiro, especialmente com crianças menores. A experiência deu certo na casa da professora Ana Paula Palermo, 32, com o filho Davi, de 3 anos. O garoto vivia pedindo um brinquedo caro para os pais – e estava longe do Dia das Crianças, aniversário ou Natal. Então, a solução foi explicar ao filho que o presente custava muito dinheiro e que ele mesmo poderia ajudar a comprar, se guardasse toda moedinha que ganhasse.
A ideia do cofrinho deu tão certo que, mesmo depois de ter acumulado boa parte do dinheiro para o desejado mimo – os pais completaram o restante –, Davi continua juntando as moedinhas que ganha da mãe, do pai e dos avós. “Apesar de ser bem pequeno, ele entendeu muito bem o conceito de que é preciso sacríficio e esforço para conseguir alguma coisa. Hoje, arrecadar moedas é um prazer para ele”, conta a mãe.
No ensinamento do cofrinho, é importante que os pais ofereçam um porta-moedas com abertura, para que a criança possa se habituar a contar o dinheiro e ver se já tem o suficiente para comprar o que deseja. Outro conselho dos especialistas é aproveitar a oportunidade para ensinar que 20 moedas de 10 centavos equivalem a uma nota de dois reais, pois geralmente os filhos consideram as moedas um verdadeiro tesouro e não dão importância para as cédulas. Se os filhos forem maiores, vale dar uma carteira, ao invés de cofrinho, como forma de incentivo para economizar.
Entre as opções que estão no mercado, tem ainda uma espécie de cartão pré-pago, no qual as crianças podem adquirir produtos, entradas de cinema e ingressos para shows com o tão sonhado dinheiro de plástico. “Neste caso, os pais colocam o valor da mesada no cartão e elas aprendem a controlar os próprios gastos”, indica Elvis Tinti.
Fonte: Delas IG